terça-feira, 13 de maio de 2008

ANTHONY BARRET E O RACISMO SOCIAL






Aqui fica um dos últimos grandes delírios sociais de que há conhecimento. Saiu da pena do sociólogo António Barreto e foi publicado no jornal "Público" de dia 12/5/08:

"Há alguns meses, havia um programa que a RTP exibia fora de horas num dos canais de cabo. Creio que era na RTPN. Chamava-se "A Liga dos Últimos". Para quem não viu, trata-se de um programa especial e insólito: segue e faz reportagem dos clubes de futebol das divisões inferiores e distritais. Em vez das glórias internacionais, das transferências de milhões de contos por jogador, das ligas europeias milionárias e das grandes querelas futebolísticas nacionais, tínhamos o "Portugal profundo" e o "verdadeiro povo" dos domingos. O "conceito" é simples: os pobres e os humildes também têm direito. O futebol não é apenas um desporto de ricos e milionários, de urbanos e classes médias, ou de gente bonita que faz as capas das revistas. Não. O futebol é também do povo. Por isso se mostra o povo. Campos de terra batida, jogadores com quarenta anos e barriga proeminente, clubes carregados de dívidas e destreza desportista mais ou menos nula. Jogos de nenhum interesse e de estética duvidosa. Os desafios desenrolam-se por entre enorme gritaria, piadas da plateia e berraria de toda a gente. Por esse programa passam clubes que nunca ganham um desafio, que estão em vésperas de desistir e que por vezes têm dificuldades em alinhar o número adequado de jogadores. Clubes que vão falir pois não têm dinheiro para pagar os balneários ou a electricidade. Clubes que pertencem à dona de um bar ou ao patrão de uma empresa de mudanças com duas camionetas. Não sei por que carga de água, o programa é hoje de "culto". Os urbanos gostam e deliciam-se. Dizem-se ali boçalidades cruas. Toda a gente bebe cerveja a mais. Aquelas brincadeiras de bairro ou de aldeia aspiram agora ao momento de glória que lhes é trazido pelo facto de os novos dirigentes da RTP terem passado o programa para a RTP1, às 21.00 horas de sexta-feira. Pega directamente no telejornal, precede o concurso diário. Continuam as graçolas brejeiras de mau gosto. Os palavrões disfarçados. As ordinarices mais rascas. Reina o machismo mais soez que se pode imaginar. Muita gente é filmada deliberadamente para parecer "feia, porca e má".
Poderia pensar-se que o programa faz parte da nova "grelha" da RTP, da sua estratégia e das suas novas concepções que preconizam uma televisão popular e divertida, em poucas palavras, uma "televisão para todos", um "verdadeiro serviço público". O que resulta é, além de paradoxal, confrangedor. Não apenas intelectualmente, mas sobretudo social e moralmente. É uma hora de autêntico desprezo social pelos aldeões, pelos provincianos, pelos pobres, pelos gordos, pelos mais velhos, pelos ignorantes e pelos analfabetos. Que, aliás, se oferecem em espectáculo de escárnio. É uma espécie de "racismo social": coitados, tão estúpidos, mas praticam futebol! São tão puros! Tão autênticos!"


Racismo Social!

As coisas que (não) se vêem a partir do gabinete do António Barreto. Como seria bom que ele saísse lá de dentro de vez em quando. Mas o Avô Comte e o Pai Durkheim não deixam. Têm medo que o Toninho apanhe alguma doença, além de que o ambiente asséptico da academia é bem mais confortável, numa tranquila vida de agitação "intelectual" movida a hipócritas palmadinhas nas costas entre pares...

E é esta a nossa intelectualidade...Sempre espantada, envergonhada e assustada com o mundo real. Sempre paternalista e preocupada com os desgraçadinhos...Mas sempre superior e arrogante. Como acontece em geral relativamente às atitudes racistas, tudo isto resulta do puro desconhecimento e da falta de convívio com as pessoas. Numa palavra, da ignorância acerca da realidade, o que para um sociólogo é deveras...preocupante.


jguitar

Um comentário:

Strik3r disse...

Eu sei que esta comparação que vou fazer é forte, mas foi a primeira coisa em que pensei ao ler este artigo do António Barreto.

A "Liga dos Últimos" é a realidade do desporto em Portugal, do verdadeiro desporto que se faz... por desporto. E pelos vistos, como é feia, porca e má, esta realidade social deveria ser condenada ao esquecimento. De preferência fechada numa "Mitra Desportiva", para não ser vista e assim não escandalizar.

Uma forma de ver as coisas um tanto contraditória, vindo de quem vem...